
Como tem vindo a ser habitual, a Sciaena esteve presente nas reuniões anuais de dois dos principais Organismos Regionais de Gestão de Pescas (ORGP) do oceano Atlântico que decorrem em novembro. Entre algumas decisões positivas e outras menos positivas, ficaram adiadas decisões ambiciosas que pretendiam assegurar a conservação e gestão sustentável de stocks pesqueiros icónicos do Atlântico, hipotecando o futuro das comunidades costeiras, a saúde dos ecossistemas marinhos e a sua capacidade de lidar com os impactos das alterações climáticas.
Entre 17 e 24 de novembro realizou-se, em Sevilha (Espanha), a 29.ª Reunião Ordinária da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT, na sigla em inglês). Portugal integrou a delegação da União Europeia (UE) e foi um dos mais de 70 países que voltaram a reunir-se para debater e decidir sobre diversos stocks de elevada importância ecológica e económica, incluindo espécies como espadartes, atuns e tubarões.
Uma das mais aguardadas decisões desta reunião prendia-se com a aprovação de um procedimento de gestão (Management Procedure, no termo em inglês) para a população de oeste de atum-bonito (Katsuwonus pelamis). Esta medida foi aprovada nesta reunião e representa um passo crucial para a ICCAT no seu caminho para que as principais populações geridas sob a sua alçada o sejam através de procedimentos de gestão – instrumentos para gerir de forma estável e multi-anual populações que são alvo de pescarias através de uma base científica forte. No entanto, há a registar algum abrandamento no que toca a outros procedimentos de gestão a ser adotados nos próximos anos, devido à falta de decisões vinculativas para as três espécies de atuns tropicais e para o tubarão-azul (Prionace glauca), espécies de elevada importância para as frotas portuguesas.
Foi sobre os atuns tropicais, e em particular o atum-patudo (Thunnus obesus), que caíram por terra as intenções de alterar a medida de gestão trianual que tinha sido adotada em 2024. Se por um lado este resultado impede o aumento das capturas dentro dos níveis sustentáveis, também impediu o aliviar de medidas relativas aos dispositivos de concentração de peixe (DCP – FAD, em inglês), o que no final aumenta a possibilidade de o stock se manter saudável nos próximos anos.
Também no que toca a uma das espécies mais icónicas da ICCAT, o atum-rabilho (Thunnus thynnus), a ICCAT não conseguiu dar o seguimento ideal aos procedimentos de gestão aprovados na reunião de 2022, em Vale do Lobo. Ainda que esta espécie – composta por dois stocks no este e oeste do Atlântico – se mantenha gerida ao abrigo de um procedimento de gestão, a implementação prática deste será complexa e as quantidades que irão ser capturadas estão agora no limite do que será sustentável a longo prazo.
No que diz respeito à gestão e conservação de tubarões pelágicos, a reunião ficou marcada pela desilusão através da rejeição – mais uma vez – da proposta de implementação da medida “fins naturally attached”, que proibiria que as carcaças de tubarões tenham as barbatanas cortadas nas embarcações de pesca antes de descarregadas em terra, o que limitaria ainda mais a prática de “finning” no Atlântico. Em contraponto, foi aprovada a proposta para proteger duas espécies ameaçadas de tubarões: o tubarão-frade (Cetorhinus maximus) e o tubarão-branco (Carcharodon carcharias). A proposta proíbe a retenção a bordo de indivíduos destas espécies nas pescarias geridas pela ICCAT e obriga a reportar estas interações, permitindo uma melhor compreensão das suas áreas preferenciais e abundâncias.
As decisóes mais positivas talvez tenham sido a adoção de uma resolução para alinhar os objetivos da commissão com o biodiversidade marinha nas áreas fora de jurisdição nacional (BBNJ, na sigla em inglês), e com o reforço do acordo sobre medidas do Estado do porto no contexto da ICCAT (PSMA, na sigla em inglês), que permitirá melhorar a capacidade de lutar contra a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).
Em paralelo com a ICCAT, decorreu em Londres, entre 11 e 14 de novembro a reunião anual da Comissão de Pescarias do Atlântico Nordeste (NEAFC, em inglês), organização responsável pela gestão de stocks de pequenos pelágicos, como a sarda (Scomber scombrus) e o verdinho (Micromesistius poutassou), mas também de várias espécies e ecossistemas de profundidade.
Os trabalhos da Comissão voltaram a ser profundamente condicionados pela invasão da Ucrânia pela Federação Russa, situação que levou ao cancelamento da maioria das reuniões intersessionais agendadas para 2025. Apesar deste contexto desafiante, a reunião anual registou progressos relevantes no reforço da transparência e na participação das partes interessadas. Foi aprovada a ampliação do número de lugares atribuídos a observadores no Comité Científico (em inglês, PECMAS), que passa a contar com o dobro das vagas anteriormente disponíveis. Adicionalmente, e pela primeira vez, as organizações observadoras passam a ter acesso ao Comité de Conformidade (em inglês, PECMAC), órgão cuja participação lhes estava vedada até à presente reunião.
Num ano marcado pelo parecer científico emitido pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM), para a sarda, recomendando uma redução substancial no Total Admissível de Captura (TAC), foi com grande preocupação que constatámos não ter sido possível alcançar um acordo para esta espécie, em linha com o aconselhamento científico. A sobreposição dos processos negociais entre a NEAFC e os Estados Costeiros voltou a evidenciar limitações estruturais na capacidade dos decisores de cumprir o mandato da Comissão para definir TAC sustentáveis para algumas das espécies mais emblemáticas do Atlântico Nordeste.
Permanece igualmente incerto o enquadramento das medidas de gestão para 2026 no que respeita ao verdinho, uma vez que não foi possível alcançar qualquer acordo. Ainda assim, importa destacar que se verificaram avanços noutros domínios, tendo sido possível chegar a consenso relativamente a alguns Totais Admissíveis de Captura, nomeadamente para o arenque (Clupea harengus) e a arinca (Melanogrammus aeglefinus).
A 44.ª Reunião Anual da NEAFC voltou a incluir um evento paralelo co-organizado pelas ONGA, desta vez promovido pela Sciaena e pela Pew Charitable Trusts. Sob o título “Hitting All The Targets: Implementing the Global Biodiversity Framework (GBF) Through Ecosystem-Based Fisheries Management (EBFM)”, esta sessão procurou aprofundar a reflexão sobre como a NEAFC e as Partes Contratantes podem avançar na proteção da biodiversidade através de uma gestão baseada no ecossistema, contribuindo para uma implementação mais abrangente e eficaz do GBF. Infelizmente, apesar das intervenções construtivas e do apoio manifestado ao longo da semana para avançar com uma abordagem baseada no ecossistema, não foi possível alcançar progresso na adoção de um roadmap e de objetivos de gestão que permitam operacionalizar plenamente a EBFM.
Em conclusão, apesar de algumas decisões positivas, as dinâmicas políticas e as perspectivas a curto prazo impediram o avanço claro para a proteção da biodiversidade e para uma gestão de pesca mais sustentável e efetivamente baseada na conservação dos ecossistemas. Se na ICCAT as medidas plurianuais e os procedimentos de gestão instituídos permitem mitigar os efeitos negativos da falta de decisão, o mesmo não é verdade para a NEAFC, onde se torna cada vez mais imperativa uma reestruturação profunda.
Location: Incubadora de Empresas da Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, Pavilhão B1, 8005-226 Faro
Phone: +351 936 257 281
Email: sciaena@sciaena.org