Nas últimas duas semanas, a Sciaena esteve presente nas reuniões anuais de dois dos principais Organismos Regionais de Gestão de Pescas (ORGP) do oceano Atlântico. Se no que toca ao espadarte e atuns as decisões foram positivas do ponto de vista da conservação e gestão sustentável dos stocks – nomeadamente com a adoção de um plano de gestão plurianual para o espadarte – mais a norte, as reuniões ficaram marcadas pela dificuldade em tomar decisões vinculativas, pondo em causa o bom estado ambiental de ecossistemas e espécies, e a capacidade de assegurar pescas sustentáveis.
Entre 11 e 18 de novembro decorreu em Limassol, no Chipre, a 24ª Reunião Especial da Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT, em inglês). Portugal, incluído na delegação da União Europeia (UE), foi um dos mais de 70 países que estiveram mais uma vez reunidos para discutir e tomar decisões sobre vários stocks de enorme importância ecológica e económica, como os espadartes e os atuns.
A reunião ficou marcada por uma decisão de relevo para a ICCAT, com particular importância para Portugal. Um dos stocks mais importantes para a frota nacional e para os ecossistemas do Atlântico Norte – o espadarte – vai ser gerido a partir de 2025 através de um procedimento de gestão plurianual. Esta metodologia, considerada “gestão de pesca 2.0”, permite aumentar a previsibilidade e precaução no estabelecimento das quantidades que podem ser pescadas, bem como incorporar objetivos de conservação e considerações relativas aos impactos das alterações climáticas. A ICCAT tem estado na linha da frente na adoção destas medidas de gestão. A partir do próximo ano, a ICCAT irá desenvolver os primeiros passos para estabelecer um procedimento de gestão para as três espécies de atuns tropicais, igualmente essenciais para Portugal, nomeadamente para os arquipélagos da Madeira e dos Açores.
Foi sobre os atuns tropicais, e em particular o atum-patudo, que a reunião anual registou mais uma decisão marcante. Depois de quase 5 anos sem avanços concretos, a ICCAT finalmente adotou uma nova medida de gestão para os próximos 3 anos, que permite aos países envolvidos na pesca destas espécies aumentar as suas capturas. No entanto, de forma a alcançar o acordo, algumas das medidas de gestão que dariam garantias sobre a sustentabilidade das pescarias, nomeadamente no que diz respeito aos dispositivos de concentração de peixe (DCP – FAD, em inglês) e à monitorização dos navios palangreiros, foram alteradas, o que aumenta o risco do stock poder voltar a uma situação de sobrepesca num futuro próximo.
Em termos de combate à pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN), a ICCAT adotou um conjunto de decisões muito importantes sobre a segurança e bem estar dos observadores de pesca, monitorização eletrónica, e transbordos, que mantêm a ICCAT firmemente no caminho de combater a pesca INN de forma cada vez mais eficaz.
Há ainda que destacar a decisão relativa ao plano de trabalho sobre alterações climáticas e as questões relativas à inclusão de elementos dos ecossistemas, que a partir de 2025 irão ser discutidas no Grupo de Trabalho Permanente de Diálogo entre Cientistas e Gestores de Pescas (SWGSM, em inglês), com o objetivo de avançar de forma efetiva para a Gestão de Pescas Baseada em Ecossistemas (EBFM, em inglês), assegurando assim a contribuição da ICCAT para ecossistemas saudáveis e resilientes no Atlântico.
Em paralelo com a ICCAT, decorreu em Londres, entre 12 e 15 de novembro a reunião anual da Comissão de Pescarias do Atlântico Nordeste (NEAFC, em inglês), organização responsável pela gestão de stocks de pequenos pelágicos, como a sarda ou o verdinho, mas também de várias espécies e ecossistemas de profundidade. Numa reunião em que a invasão da Ucrânia por parte da Rússia continuou a limitar os trabalhos da comissão, voltou a ficar claro que é essencial combater a opacidade dos acordos bilaterais estabelecidos no âmbito das reuniões dos Estados Costeiros que, em geral, decorrem à porta fechada, assim como garantir a abertura aos observadores do comité de conformidade (em inglês, PECMAC).
Ainda assim, foi possível chegar a consenso face a alguns Totais Admissíveis de Captura (TAC), nomeadamente para a arinca. O mesmo não foi o caso para o arenque, o verdinho e a sarda, com intervenções fortes dos estados costeiros sobre a incapacidade de chegar a acordo face à correta implementação dos limites estabelecidos para estes stocks. Já em termos das medidas de gestão para elasmobrânquios, a reunião ficou marcada pela decisão unânime de manter a proteção do tubarão-sardo (ou em inglês porbeagle), para o próximo ano. Em contraste, o mesmo nível de precaução não foi aplicado ao galhudo (ou spurdog em inglês). Após uma reabertura apressada desta pescaria em 2023 e, não obstante dos avisos por parte das organizações não-governamentais (ONG) presentes da necessidade de estabelecer um TAC precaucionário, a NEAFC estabeleceu para o galhudo um valor de capturas no limite superior do parecer científico dado pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM).
Esta reunião destacou-se ainda pelo primeiro evento paralelo liderado pelas ONG em mais de uma década – uma iniciativa da Deep Sea Conservation Coalition (DSCC) em parceria com a Pew Charitable Trusts, que contou com o apoio da Sciaena. O evento pretendeu ser uma reflexão sobre o progresso feito pela NEAFC no que toca à proteção do espaço marinho mas com os olhos postos no caminho ainda a percorrer. Contou com um painel plural que abordou a importância da implementação da EBFM, assim como o papel da NEAFC na proteção multisectorial do mar profundo – nomeadamente a salvaguarda dos montes submarinos enquanto indicadores de Ecossistemas Marinhos Vulneráveis (EMV) – e na prevenção da perda de biodiversidade por sobrepesca, com vista a evitar o estabelecimento de acordos bilaterais acima do parecer científico na gestão dos três stocks pelágicos de maior importância para esta comissão.
Por fim, ainda na esfera das medidas de proteção de habitats, a NEAFC estabeleceu este ano a intenção de contribuir para a meta dos 30% de áreas marinhas protegidas até 2030, através da submissão à Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD, em inglês) de um conjunto de áreas atualmente fechadas à pesca de fundo (devido à presença de EMV).
Em conclusão, se na ICCAT se registaram várias decisões positivas, num contexto de transparência e participação construtiva, acessível às ONGA, na NEAFC, a reunião deste ano torna ainda mais evidente a necessidade de uma reestruturação profunda desta ORGP. Embora esta organização esteja a progredir em questões de proteção da biodiversidade, o seu compromisso com a transparência nos processos de decisão fica ainda muito aquém do ideal.
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