No passado mês de novembro deveria ter ocorrido a 23ª reunião do ICCAT (CICTA – Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico), a Organização Regional de Gestão das Pescas responsável pela gestão da pesca das grandes espécies pelágicas no Oceano Atlântico. A reunião iria juntar, na Turquia, representantes dos mais de 50 membros da comissão mas também dezenas de observadores de diversos sectores, nomeadamente as organizações de pescadores e de conservação, entre muitas outras. No entanto, a crise da Covid-19 levou ao cancelamento da reunião presencial. Em sua substituição, decorreu um processo de discussão por correspondência eletrónica com o objetivo de estabelecer medidas de gestão para 2021, e o seu resultado foi a renovação de praticamente todas as medidas de gestão que vigoraram em 2020.
A Sciaena participou nesta troca de correspondência, na qualidade de observador, tendo submetido declarações iniciais e comentários, conjuntamente com outras organizações, a certas propostas submetidas por alguns membros do ICCAT.
O Painel 4 da comissão tinha a responsabilidade de acolher diversos debates urgentes e a oportunidade de produzir alguns dos resultados mais relevantes para a comissão em 2020: adotar medidas de conservação para o anequim do Atlântico, um stock que o órgão científico do ICCAT e o CITES consideram estar numa situação muito preocupante.
Em linha com a ciência e com inúmeras organizações de conservação, a Sciaena apoiou a tomada de medidas com a máxima urgência para dar ao anequim as melhores possibilidades de recuperação no menor espaço de tempo. Das três propostas apresentadas pelos membros da Comissão, a proposta do Canadá, Senegal e Reino Unido era a única que reconhecia plenamente o estado drástico em que o stock se encontra e que continha os elementos cruciais do pareceres científicos, nomeadamente o apelo claro para uma proibição total da retenção a bordo desta espécie no Atlântico Norte. Vale a pena notar que esta espécie é capturada de forma alegadamente acidental pela frota de palangre de superfície portuguesa, pelo que Portugal e a União Europeia têm um papel decisivo na situação. Infelizmente, as discussões que tiveram lugar, essencialmente entre a União Europeia, Canadá e os Estados Unidos, não permitiram chegar a acordo sobre um novo conjunto de medidas a serem adotadas para 2021. Assim, permanecerão em vigor as que tinham sido aprovadas para 2020, incluindo a possibilidade de manter estes animais a bordo e proceder à venda de indivíduos já sem vida, e que manifestamente serão insuficientes para iniciar o caminho dos anequins para a recuperação.
Assim, em 2021, será ainda mais urgente adotar um novo pacote de medidas de gestão, que deve conter a proibição de retenção na sua base, de forma a dar ao anequim uma verdadeira oportunidade de recuperar e cumprir o seu papel essencial nos ecossistemas pelágicos do Atlântico. Estas discussões serão iniciadas numa reunião intercalar do Painel 4, que deverá acontecer em julho.
Outra espécie particularmente relevante para Portugal, e que a Sciaena tem seguido atentamente no âmbito do ICCAT, é o atum patudo, cujo stock no Atlântico Norte é essencial para as frotas de pesca de salto e vara dos Açores, da Madeira e das Ilhas Canárias, que operam com um impacto ambiental muito baixo e que são essenciais para as economias destas comunidades insulares. O stock está em estado crítico, o que causa impactos negativos na saúde dos ecossistemas pelágicos do Atlântico, mas também nas comunidades piscatórias que dele dependem. Em todo o caso, não se antecipavam discussões significativas sobre esta espécie na reunião de 2020, e foram apenas renovadas as medidas anteriormente em vigor, o que é claramente insuficiente para recuperar o atum patudo para níveis sustentáveis.
Será imperativo que, em 2021, sejam definidas e aprovadas novas medidas de gestão, nomeadamente focadas na redução das capturas totais, na redução da mortalidade de juvenis associada ao uso de Dispositivos de Concentração de Peixes (DCP – FAD em inglês), uma monitorização melhorada da pescaria de palangre e na definição de chaves de alocação das possibilidades de pesca. O agendamento de três reuniões intercalares é, na opinião da Sciaena, uma decisão sensata, pois poderá permitir uma aprovação pacífica do novo e ambicioso pacote de medidas de gestão na reunião da comissão em novembro de 2021.
A crise sanitária transformou-se numa crise económica, à qual o sector das pescas, a nível mundial, não foi imune. Algumas partes do sector, nomeadamente a venda de pescado fresco, revelaram-se especialmente vulneráveis. Embora isto tenha que ser reconhecido, é igualmente importante reconhecer que as crises climática e de biodiversidade não foram postas em espera devido à pandemia e continuam a precisar de atenção e ação urgentes. Assim, uma liderança empenhada em assegurar ecossistemas marinhos resilientes é agora mais urgente do que nunca, porque só assim poderá o oceano desempenhar o seu papel crucial na sustentação da vida na Terra, mas também permitir que economias sustentáveis e comunidades costeiras prosperem.
A Sciaena acredita que um dos melhores e mais diretos instrumentos para garantir ecossistemas marinhos resilientes é a gestão das pescas sustentável e baseada na ciência, e fica claro para nós que as Organizações Regionais de Gestão de Pesca em geral, e o ICCAT em particular, nunca foram tão importantes e que 2021 terá de compensar o tempo perdido em 2020 para tomar decisões nesse sentido.
Para além da adoção de medidas específicas e concretas sobre o anequim, o atum patudo, o atum rabilho e muitos outras espécies, esperamos que a pandemia tenha reforçado a importância de trabalhar e tomar decisões a nível do ICCAT sobre três assuntos: o desenvolvimento e a adoção de estratégias de capturas (harvest strategies); o aumento da cobertura da monitorização eletrónica remota; e tornar o ICCAT ainda mais transparente e inclusivo, não só para as organizações observadoras, como para a sociedade em geral.
O oceano e os animais que o habitam estão sob a custódia da humanidade, pelo que é crucial que sejam protegidos e geridos em benefício desta também. Esperamos que, em 2021, o ICCAT abrace plenamente esta visão.
Nota: Todos os documentos relativos à reunião podem ser encontrados aqui.
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